I.
Quando pequeno, costumava frequentar o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro com a minha família e uma história que quase sempre aparece quando a família se reúne é a vez que eu vi um esqueleto de baleia em exposição e me apavorei, desembestando a chorar e correr pelos corredores e dando canseira nos guardas e na minha mãe que iam atrás de mim. Não lembro com muitos detalhes da situação ou do choro ou da correria mas uma coisa que me lembro quase que vividamente é a sensação de pavor ao me sentir muito pequeno diante de algo tão grande. Curioso que no zoológico que divide o terreno na Quinta da Boa Vista com o museu, haviam girafas, vivas e também enormes, só que elas não me causaram o mesmo espanto no dia, mas o esqueleto monumental me apavorou e estremeceu até os ossos.
II.
Quebra
Eu desço até a beira-mar.
Como tudo cintila na luz matutina!
A cúspide da concha,
o búzio quebrado do caracol,
os mexilhões azuis abertos,
lesmas-do-mar rosa-pálidas marcadas por cracas —
e nada totalmente inteiro ou fechado, mas esfarrapado, partido,
abandonado pelas gaivotas sobre as rochas cinzentas com toda umidade exaurida.
É como uma escola
de palavras miúdas,
milhares de palavras.
Primeiro, compreendemos o significado de cada uma por si só,
o bivalve, a pervinca, a vieira
repleta de luz lunar.Então, aos poucos, começamos a ler toda a história.
[Breakage - Mary Oliver | Trad.: Nelson Santander]
III.
Em Abzû você acorda flutuando no oceano. À sua frente apenas o céu e abaixo do seu peito apenas o mar. O jogo te diz muito pouco ou quase nada sobre o que fazer, sobre onde você está ou sobre como se movimentar nesse mundo mas você sente uma necessidade forte, muito forte, de mergulhar. Mergulhando você vê um ambiente que, não fosse a presença de umas poucas plantas subaquáticas, seria completamente estéril. Alguns resquícios de máquinas chamam a atenção e você interage com elas. Interagindo com o meio, sem nenhuma voz, o mar te conta uma história. Ouvindo a história do mar através do contato com ele, a vida vai gradualmente voltando conforme você avança pelos cenários cada vez mais profundos no interior do oceano.
Diferentemente do que se convencionou chamar de videogame hoje em dia, em Abzû não temos gráficos ultrarrealistas nem ação desenfreada e justamente por isso podemos nos entregar à imersão meditativa que o jogo sugere com longos momentos de pura contemplação e pausa. A arte do jogo tem formas fluidas e sem contornos muito definidos, representando de forma bastante delicada a impressão que o fundo do mar causa. Mesmo as passagens mais interativas que necessitam de ação um pouco mais intensa necessitam de uma reflexão mais prolongada e permitem a observação atenta sobre como o espaço afeta e é afetado pela mergulhadora que você enquanto jogador controla.
E isso não significa que Abzû seja um jogo lento ou parado, pelo contrário, em Abzû o oceano constantemente se apresenta a você de uma forma poderosa e intensa que te inunda os sentidos a cada estágio e te coloca imerso com toda a potência que a vida submarina tem a oferecer.
IV.
I Go Down To The Shore
I go down to the shore in the morning
and depending on the hour the waves
are rolling in or moving out,
and I say, oh, I am miserable,
what shall—
what should I do? And the sea says
in its lovely voice:
Excuse me, I have work to do.[I Go Down To The Shore - Mary Oliver]
V.
Não sei nadar. Apesar disso(talvez por isso) a água desde sempre me fascina.
Linhas paralelas
Textos e links que cruzaram meu caminho no infinito da rede esses dias.
Abraços e até depois!
diego b
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