Minha história com Doctor Who | Insanidade Artificial #27
Um universo que me acompanha há anos.
Minha relação com Doctor Who começou por acaso. Se você tem algum interesse em sci-fi vai esbarrar com o nome da série em algum momento da vida devido à sua longevidade e influência em diversas mídias e foi mais ou menos assim que ouvi falar de Doctor Who pela primeira vez, algum post no tumblr de uma amiga minha com gifs da série moderna lá em 2009/2010 quando o fandom brasileiro ainda estava se desenvolvendo e não tinha tanto material sobre a série em português na internet. Como não sabia por onde começar a ver, baixei alguns episódios do 1º Doctor e fui assistir. Meu inglês eram bem ruim nessa época e não consegui fazer as legendas funcionarem, então não entendi muito bem o que rolava em “An Unearthly Child” mas alguma coisa ali me fez ficar fascinado com aquele universo.
Corta pra 2011, eu no primeiro ano da faculdade de arquitetura, fazendo o último ano do curso técnico junto, andava atolado de coisa pra fazer, estresse a mil e então ouvi falar de Doctor Who de novo provavelmente na minha timeline do twitter e fui atrás dos episódios da série moderna, agora já sabendo por onde começar. “Rose” é um episódio bizarro à primeira vista, todo aquele lance dos manequins do mal, aquele cara meio bobo alegre sempre correndo, chave de fenda sônica… sei que um monte de gente abandonou a série aí mesmo, mas pra mim foi paixão à primeira vista. Esses primeiros anos da série moderna tem um encantamento e uma inocência que, olhando em retrospecto agora, me fazem crer que Doctor Who é a série que eu queria ter assistido quando eu era uma criança nerd esquisita e sozinha. Era incrível ver um cara esquisito resolvendo situações sem violência, com bom humor, usando só a inteligência como arma e fazendo amigos pelo caminho. Era tudo muito diferente e mágico e foi meu alívio durante um momento em que as coisas estavam começando a ficar complicadas na minha cabeça.
Minhas irmãs que eram pequenas na época me viam parado por longas horas na frente do computador parecendo me divertir bastante com essa série e quiseram saber o que era. Coloquei “The Empty Child”/The Doctor Dances” pra gente assistir junto e elas se amarraram e logo assistimos várias temporadas em sequência. Doctor Who virou então um programa de família, um universo que uniu a mim e a minhas irmãs mais novas de uma maneira muito especial.
Em 2014, depois de ler alguns livros do universo expandido de Doctor Who como o “12 Doutores, 12 Histórias” decidi que era hora de conhecer a série clássica. Voltei a “An Unearthly Child” e assisti ao primeiro Doctor com a mesma devoção e encantamento que tive com a série moderna. Como linearidade não é uma regra no universo whovian, assistir ao primeiro Doutor anos depois e já conhecendo o lore e encarnações futuras de certa forma tá dentro da proposta do que é Doctor Who. Um monte de trabalho da faculdade, pesquisa e estágios me fizeram parar no comecinho do segundo Doctor, minha vida virou uma loucura depois disso, intercâmbio, projetos pessoais e mais um monte de coisa aconteceu e acabei engavetando o projeto de assistir toda a série clássica até 2018.
No ano de 2018, a twitch anunciou que a série clássica seria exibida na íntegra em streams diárias. Estava terminando a graduação e deixava o episódio rolando na segunda tela enquanto agitava meu projeto final na minha tela principal. Às vezes dava uma escapadinha das obrigações pra dar uma olhada no chat da stream que era uma atração à parte. Era incrível ver fãs novos e antigos da série vendo em conjunto e conversando sobre o que acontecia em cada episódio, as transmissões mais paradas tinham em torno de 6000 pessoas, era como estar na mesma sala que essa galera do mundo todo, trocando ideia e apreciando o universo da série. Foi lindo ver a galera se emocionando com momentos marcantes como a despedida da Susan, a primeira regeneração, as trocas e mortes de companions, e os memes(“LONDON, 1965!”,”Believe me! I know!”, “Jamie, no!”) todos sentindo a mesma vibe e interagindo junto, essas pessoas e os Doutores me fizeram companhia durante o difícil momento que foi o fim da graduação em arquitetura. Assistindo à maratona pude ter contato com um pouco de cada encarnação do personagem e entender os rebatimentos dessas aventuras na série até os dias de hoje.
A etapa final do meu trabalho final foi muito solitária, trancado no quarto por 14-15 horas na frente do computador projetando mas, nos poucos minutos que escapava pra conversar no chat da transmissão, sentia que não estava só no mundo, que tinha um monte de gente esquisita espalhada por aí que compartilha do mesmo amor por Doctor Who que eu. E é engraçado como desde que conheci a série, ela sempre está ligada a algum momento importante da minha vida. Comecei a assistir a série junto com o começo da faculdade, assisti à segunda temporada do Peter Capaldi como Doctor enquanto estava no intercâmbio e maratonei a série clássica enquanto concluía a minha graduação. Essa semana a série completou 60 anos e assisti ao primeiro especial ao lado da minha companheira, na nossa casinha, começando a vida juntos com nossos gatos ao lado. Talvez só Star Wars esteja tão presente na minha vida quanto Doctor Who, ambos são universos que me acompanharam em momentos importantes de desenvolvimento e são lugares ficcionais pra onde eu volto sempre que quero me sentir bem e de certa forma me reconectar com o que eu sou e o que eu gosto.
“there are worlds out there where the sky is burning, and the sea’s asleep, and the rivers dream; people made of smoke and cities made of song. Somewhere there’s danger, somewhere there’s injustice, and somewhere else the tea’s getting cold. Come on, Ace. We’ve got work to do.”
Acho que por isso que o discurso do Sétimo Doutor no final de “Survival” me deixou tão emocionado. Esse foi o último episódio exibido na série clássica e depois disso Doctor Who entrou em hiato por anos e eu sei que a série continuou anos depois e que a gente tem um universo incrível de aventuras de Doctor Who acontecendo até hoje, mas o final desse arco e a forma como eu o acompanhei na transmissão da twitch marcou também um arco pessoal que envolve a minha graduação e as transformações que sofri nesses últimos anos. Quando assisto a cena do Doctor chamando a Ace pra explorar novos mundos, sinto como se ele estivesse falando comigo.
Ver o Doctor e seus amigos em ação me diz que, não importa o mundo desconhecido em que eu venha a pisar, sempre vou ter o conforto e a companhia do universo de Doctor Who pra me ajudar a encarar e resolver a situação com bom humor, inteligência e abraçando o maravilhamento com o desconhecido sempre que possível.