É preciso saber de tudo e não pensar em nada | Insanidade Artificial #40
É preciso saber de tudo e esquecer de tudo
O despertador toca e eu faço um esforço pra não olhar nenhuma rede social nos primeiros minutos da manhã. Um esforço mesmo. Arrumo a cama, faço umas poucas asanas na minha enxuta ioga matinal, banho, roupa, mochila, chaves e caminho até a estação de metrô. As poucas luzes dos ônibus que passam e dos semáforos são a única informação visual relevante que chegam até mim nos primeiros minutos da manhã.
A calma mental que a pouca luz das manhãs de inverno oferece dura pouquíssimo tempo pois ao entrar na estação um painel luminoso LED gigantesco anuncia alguma iniciativa sustentável de uma empresa que eu não lembro qual é. Eu deveria lembrar? Entrando no vagão mais uma televisão no topo das paredes anuncia o resultado do futebol de ontem, vejo as ofertas do mercado anunciadas por um casal famoso, vejo alguma previsão do horóscopo para o meu signo, porra, era pra ter usado verde hoje pra ter boa sorte?
Eu gosto de ver o sol nascendo pelas janelas do transporte público, é um dos raros prazeres que se extraem da rotina proletária mas adesivaram os vidros do metrô com alguma mensagem que eu já não lembro qual é e meu olho é atraído pela luz da televisão mais uma vez e me sinto violentado não fisicamente pelo vagão cheio mas psicologicamente atacado, sendo obrigado a consumir informação que eu não solicitei de forma ininterrupta por toda a duração do trajeto.
Nessa hora você está aí nos comentários respondendo assim: “se estava incomodando tanto, porque você não pegou o celular? Ali pelo menos você escolhe o que quer ver.” Mas será que escolhe mesmo? Não vou nem entrar no mérito de rede social porque a gente sabe que não importa a curadoria que a gente faça na rede social que for, tu vai receber uma enxurrada de informação não solicitada e não tem nada que se possa fazer de dentro delas pra isso. Qualquer aplicativo de mídia que você tenha acesso no smartphone se tiver conexão à internet vai encontrar uma maneira de te fazer consumir algo que não era da sua vontade. Faz o teste com qualquer app aí e me diz se não é verdade.
O que eu acho mais violento nisso tudo é que antes das 7 da manhã, antes de sentar na minha estação no trabalho, antes mesmo até de estar acordado o suficiente para processar qualquer ideia, o cérebro já trabalhou mais do que seria saudável para essa hora da manhã e, no final do dia, depois de trabalhar minhas oito horas, no transporte de volta vai ser a mesma coisa, a mesma torrente digital imagética será despejada na minha cara e quando for sentar pra ler ou ver de forma ativa o que realmente me interessa, o que eu mesmo busquei conhecer ou entender, minha memória e imaginação estarão ocupados com imagens e textos e conteúdos quaisquer que eu não solicitei de forma alguma.
E só vai sobrar a fadiga.
Linhas paralelas
Volto (tomara) menos cansado numa próxima edição. Abraços e até depois!
diego b
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Para além da discussão, que é muito boa, você faz ótimas descrições.
ótimo texto. esse lance da superexposição às informações logo cedo me pega muito tb.