Ana Maria Braga – "Sou Eu” | Insanidade Artificial #33
Uma jóia perdida da música brasileira
Estava na minha habitual passeada pelo twitter outro dia quando um amigo tuítou a seguinte peça de mídia:
Atenção especial ao primeiro minuto da canção em que nossa querida apresentadora diz:
Não paute sua vida, nem sua carreira, pelo dinheiro. Ame seu ofício com todo coração. Persiga fazer o melhor. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como consequência. Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser nem um grande bandido, nem um grande canalha. Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro. Hitler não matou 6 milhões de judeus por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro.
Eu não sei o que é mais chocante nessa música(?): Nossa querida Ana Maria equiparando Hitler e Michelangelo ou o solo de violão latino rolando no fundo enquanto ela não está nem aí pra ele. Fiquei abismado com tamanha bizarrice e, como bom nerd musical que sou, fui tentar pesquisar o contexto em que um negócio desses apareceu pra tentar entender a existência disso.
Um pouco de história
Durante o auge do sucesso do Mais Você lá nos idos de 2003, Ana Maria Braga, nosso super saiyajin br disse que recebeu pedidos de seus fãs pra gravar em áudio as mensagens que ela falava ao início de seus programas. Ela acabou gostando da ideia e fechou uma parceria com a BMG que fez 100 mil cópias do disco “Sou Eu”.
A ideia inicial era gravar 9 textos recitados e 2 músicas cantadas. Mas, durante o processo de gravação foram feitas 20 faixas que, segundo a gravadora, eram boas demais para serem desperdiçadas, então foram escolhidas 15 delas para compor o registro final.
As faixas cantadas trazem as incríveis participações de Fábio Jr., Zezé Di Camargo & Luciano, Louro José, Leonardo e Xandy. Sente o naipe dos features no começo dos anos 2000, só sucesso.
O título das faixas e muito provavelmente o conteúdo de todas elas parece algo que circularia facilmente em e-mails com powerpoint nos idos de 2003 ou muito tranquilamente em correntes do whatsapp se nossas tias redescobrirem essa jóia fonográfica nacional.
Instrumentalmente, de forma não irônica, o disco é bastante rico, trazendo influências de world music, sertanejo, bolero, música circense, pop rock dos anos 90, pagode ou qualquer outra coisa que sirva como trilha de fundo pra Ana Maria Braga falar algo inspirador pro ouvinte. Nas faixas cantadas, nossa querida Ana Maria é consistente, cantando sempre uma ou duas oitavas acima ou abaixo do tom correto da música. Destaque para “Saúde, Amor, Paz E Alegria” em parceria com Louro José, um pop animadíssimo para incentivar a audiência a praticar atividades físicas. Liricamente, a proposta é inovadora, trazendo nova vida ao segmento iniciado por Cid Moreira e sua leitura da bíblia, mas de forma mais neutra, laicizando a linguagem sem deixar de trazer preceitos de fé e esperança ao ouvinte.
Hoje em dia, essa raridade pode ser encontrada por cerca de 40 dólares em lojas especializadas.
Num momento em que a música jovem tende para referências, citações baratas e o kitsch, seria interessante ver o resgate das canções da apresentadora matinal mais querida do país como samples ou em sua totalidade nas composições dos artistas descolados do momento. E fica aqui o apelo para que mais iniciativas como o registro fonográfico ousado de Ana Maria Braga apareçam na música contemporânea brasileira.