I. Não confie na borracha
Do not trust the eraser
for Gabrielle Civil & Madhu H. Kaza
Do not trust the eraser. Prefer
crossed out, scribbled over monuments
to something once thought correct
. Instead: colors, transparencies
track changes, versions, iterations
. How else might you return
after discards, attempts
and mis takes, to your
original genius
?
(via: poets.org),
II. Grave
Sou um cara que toca pesado. Pro desespero dos puristas, meu professor me ensinou piano usando um sintetizador Yamaha. Aprendi teoria musical com os clássicos e só depois fui pro popular. Honestamente, não vejo problema nenhum nisso mas quando você usa um teclado que parece papel pra tocar Bach e Beethoven que espancavam seus pianos, a mão acaba se acostumando a acrescentar peso mesmo se não é tão necessário assim.
Meus primeiros anos no piano coincidiram com uma época de bastante bullying na escola. A cadeia alimentar estudantil passava por alguns estágios de violência até desembocar em mim e, quando você está na base, não sobra ninguém pra bater depois de apanhar. Bater de volta não era uma opção, restava direcionar a agressão a mim mesmo e ao teclado, e esses aí sofreram na minha mão.
Quando comecei a abandonar o clássico pelo popular, o metal apareceu pra mim e foi daquelas descobertas que explodem a cabeça. Como que um som tão sujo e bruto podia ser tão estimulante assim pra mim? Comecei a estudar e sempre me frustrava porque, embora fosse conscientemente um tecladista de mão pesada, não conseguia atingir o efeito de peso e agressividade com as teclas que o estilo pedia. Depois de muito bater cabeça (no pun intended), reparei nos músicos que eu gostava que, pra conseguir peso, precisaria de velocidade e pra atingir velocidade, o ingrediente principal era passear pelas teclas com mais leveza.
III. Obsessão Infinita
(Fotos: 1 - 1960’s- via ; 2- 2013 - via)
Yayoi Kusama é uma dessas artistas com linguagem única para expressar o complexo do que é seu próprio mundo interior. Visitei uma exposição dela no CCBB há uns anos atrás e, vendo de forma cronológica seu trabalho é interessante ver como ela sofisticou a sua linguagem ao longo dos anos. Das pinturas abstratas e colagens e filmes frenéticos, passando pelas esculturas orgânicas e fálicas para representar a sua obliteração interna, seu trabalho inicial era visualmente sujo, dolorido, pesado. Com a piora do sofrimento causado pela sua condição psiquiátrica, a obsessão com a figura do ponto se intensifica e, concomitantemente, cores mais vibrantes e formas mais vivas aparecem na sua obra. O sofrimento continua ali, a dor talvez seja até pior, mas o ponto em repetição sobre objetos coloridos representa isso de uma forma mais leve.
IV. Uma oitava acima
Meu senso de humor onde eu sou a piada foi construído como ferramenta pra lidar com o bullying, a autodepreciação pesada parecia interessante porque se eu me zoar primeiro, quando me zoarem dói menos. Em tese é brilhante mas depois de um tempo você passa a acreditar que é aquilo tudo (ou aquele monte de nada) mesmo.
Se você começar com a mão no dó do piano e for tocando nota por nota para a área mais aguda do teclado, vai acabar encontrando um outro dó uma oitava acima, numa outra frequência, a mesma nota, menos grave, mais leve.
Enquanto passeava pela vida, busquei o peso, a velocidade, o grave em muita coisa que seria melhor não ter passado mas também muita coisa da qual me orgulho de ter criado no meio disso tudo. Ainda vejo beleza no escuro e no grave mas não quero só isso; quero olhar no espelho e ver linhas tortas na minha face, rabiscada pela vida, um pouco mais velha, a mesma cara em outra frequência, uma oitava acima, tocando com mais leveza.