Recentemente voltei a andar de metrô no Rio de Janeiro e nesse trajeto lembrei que, além de tomar umas encoxadas desnecessárias, tem muita história que só acontece no transporte público carioca e eu já vivi poucas e boas cruzando o Rio na condução. Vou reunir algumas dessas aventuras aqui na série Crônicas do Transporte Público que começa hoje.
Tem coisas que só tem graça depois que acontecem não é? E tem coisas que só tem graça quando acontecem com os outros. O causo que vou contar pra vocês hoje teria sido hilário se não tivesse acontecido comigo.
Na semana anterior ao carnaval de 2013, voltava pra casa no maravilhoso trem com destino a Japeri, onde acontecem minhas maiores aventuras. A viagem seguia naquela paz que só o trem lotado proporciona quando vejo algo que viria a perturbar o equilíbrio. Um senhor de uns 60 anos, visivelmente bêbado, mal conseguia se manter de pé e, conforme o trem balançava, esbarrava num homem com cara de poucos amigos que estava no fundo do vagão. O bêbado permaneceu esbarrando nesse camarada por umas 5 estações até que ele se enfureceu e começou a xingar o velho alcoolizado.
Não teria sido nada de mal se, no meio dos xingamentos, o cara do fundo do vagão não tivesse sacado uma faca Olfa do bolso. Vocês sabem o que é uma faca Olfa, amiguinhos? É uma arma branca usada por estudantes de arquitetura para fazer maquetes, por eletricistas para apontar fios e, em última instância, uma arma branca em potencial.
![Estilete Olfa Heavy Duty DL-1 Estilete Olfa Heavy Duty DL-1](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F9a47bc61-f402-45e8-8cdd-94aa1fbbdd79_500x486.webp)
O cara do fundo do vagão ameaçou partir o idoso em 15 pedaços e, já conhecendo o potencial destrutivo do estilete devido aos muitos cortes que cultivei nos dedos durante a graduação, fiquei tenso. Meu nervosismo aumentou quando o bêbado bradou a plenos pulmões e língua enrolada que tinha uma arma na bolsa e começou a procurá-la tateando em volta do corpo.
Nessa hora confesso que meu esfíncter se reduziu ao diâmetro de uma partícula subatômica. O nervosismo não tomou conta apenas de mim porque, assim que o ébrio idoso anunciou ter uma arma, uma senhora que estava em pé, perto da confusão começou a passar mal e parecia que era do coração. A senhora arfava violentamente e tremia tal qual um pinscher aflito e repetia num loop infindável:
– Ai, Jesus. Ai eu vou morrer. Ai eu não tô bem eu não tô bem. Deus Pai me salva eu vou morrer!
“Alguém vai sair morto aqui e espero que não seja eu”, veio num balão de pensamento à minha cabeça.
O bêbado continuou a procurar a arma que disse que tinha na bolsa e, vendo que ele estava demorando muito, pensei em duas hipóteses:
1) Ele estava bêbado igual um gambá e, por isso não achava a arma;
2) Ele não tinha arma nenhuma.
O valente portador do estilete chutou na segunda alternativa e, sem medo da morte, começou a esbravejar:
– Tu não tem arma, p#%%@ nenhuma, velho safado! Eu vou te partir em três!
A senhora que passava mal do coração começou a tremer e girar igual uma beyblade ali e distraiu nosso amigo estressadinho. O bêbado, vendo que o negócio ia ficar feio pro lado dele, aproveitou a distração e desceu na estação de Ricardo de Albuquerque, com destreza invejável trocando os passos mas sem ser notado como se fosse um ninja sob efeito do suco fermentado da cana de açúcar.
A confusão passou, eu cheguei em casa inteiro e contei a história pros meus pais que disseram que quando esse tipo de coisa acontecer, eu deveria me afastar. Mas a pergunta que fica é: me afastar pra onde dentro do Japeri?